O Campo de Concentração do Tarrafal recebeu, pela Portaria n.º 18.539, de 17 de junho de 1961, a designação de “Campo de Trabalho de Chão Bom” – reabertura assinada pelo ministro do Ultramar, Adriano Moreira.
Nessa segunda fase, e até à libertação do Campo no dia 1.º de maio de 1974, ali foram encarcerados 107 presos de Angola, 100 da Guiné e 20 de Cabo Verde, tendo falecido 4 desses presos.
Em 1969, perante a “tentativa de golpe-de-mão inimigo”, o campo foi muralhado – como despachou então o ministro do Ultramar, Joaquim da Silva Cunha, “a prudência aconselha que se execute a obra projetada.”
Apresentamos seguidamente a lista de todos os presos, por ordem alfabética do primeiro nome, de acordo com a respetiva naturalidade.
Nasceu em Luanda a 8-04-1933. Chefe de Secretaria da «Associação dos Naturais de Angola» (ANANGOLA), escritor e colaborador da «Sociedade Cultural de Angola» (SCA), foi detido em 1959 pela PIDE, na vaga de prisões que em Angola deu lugar a três processos judiciais vulgarmente conhecidos como «Processo dos 50». Libertado, foi de novo preso em finais de 1961, com António Jacinto e Luandino Vieira (todos nesta altura já ligados ao MPLA) tendo o processo sido remetido ao Tribunal Militar Territorial em 1962. A sentença por «crimes contra a segurança externa do Estado» (22-07-1963) foi das mais pesadas para presos políticos não combatentes: 14 anos de prisão maior e medidas de segurança de internamento de 6 meses a 3 anos. Chegou ao Campo do Tarrafal a 13-08-1964 e saiu a 01-05-1974. Lembrado pelos seus companheiros de prisão como rebelde e desafiador em relação às autoridades naquele campo prisional, ali sofreu alguns dos mais violentos castigos. Sem direito a liberdade condicional, permaneceu preso até ao encerramento do Campo, em maio de 1974.
Tarrafal, Campo da Morte Lenta
Memórias
Autor: António Cardoso
Editora: União Escritores Angolanos, Luanda, 1979
Nasceu em Luanda a 28-09-1934. Gerente comercial e escritor, envolvido em associações e publicações culturais («Mensagem» da ANANGOLA, «Cultura» da Sociedade Cultural de Angola), foi co-fundador dos clandestinos Partido Comunista Angolano e Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA). Em 1959, na vaga de prisões da PIDE que originou os processos judiciais conhecidos como «Processo dos 50», foi detido, depois solto e novamente preso em finais de 1961, com Luandino Vieira e António Cardoso, por ligação ao MPLA. A sentença do Tribunal Militar Territorial (22-07-1963) por «crimes contra a segurança externa do Estado» foi das mais pesadas para não combatentes: 14 anos de prisão e medidas de internamento de 6 meses a 3 anos. Chegou ao Tarrafal a 13-08-1964. Ali deu aulas a outros presos e inspirou alguns a serem escritores. Saiu a 24-06-1972, em liberdade condicional, com 5 anos de residência fixa na «Metrópole», de onde fugiu, juntando-se ao MPLA no Congo-Brazzaville, base da guerrilha em Cabinda. Foi o primeiro Ministro da Educação e Cultura de Angola.
Sobreviver em Tarrafal de Santiago
Memórias
Autor: António Jacinto
Edição: Instituto Nacional do Livro e do Disco, Luanda, 1985
Nasceu em Muachiava (Moxico) c. 1915, filho de Magita e de Chiungua. Agricultor, membro da aristocracia tradicional Cokwe daquela região e, como tal, tratado com atenção especial pelos presos que o acompanharam. Eram acusados de apoiar a luta da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) iniciada em 1966 no leste de Angola, passando informações e auxílio aos que estavam nas matas (comida, sabão etc.). Detido no Moxico, foi levado para uma prisão no Lobito e, cerca de um ano depois, conduzido sob prisão para Luanda e julgado no 1º Tribunal Militar Territorial de Angola. Foi condenado (10-10-1968) a 6 meses a 3 anos de medidas de segurança de internamento, prorrogáveis. Chegou ao Tarrafal a 08-08-1969 com o primeiro grupo de presos da UNITA, onde vinha também o seu filho Maquinixe António. Diabético, a sua saúde deteriorou-se com os maus-tratos durante as prisões e as más condições do Campo. Faleceu no Hospital da Cidade da Praia a 13-05-1970, sendo o único preso angolano do Tarrafal a morrer em Cabo Verde.
Nasceu em Malanje a 25-10-1929. Enfermeiro, residente no Bairro Marçal (Luanda), co-organizou o grupo recreativo e político «Espalha Brasa», depois associado ao «ELA», grupo mais antigo e com ligações a outros nacionalistas em Angola e no exterior. Um «Relatório» do ELA sobre a situação em Angola, destinado ao Gana (via Congo-Léopoldville) cujo portador foi detido pela PIDE no aeroporto, desencadeou a vaga de prisões que deu lugar aos processos judiciais conhecidos como «Processo dos 50». Do chamado «grupo dos enfermeiros», foi chamado à PIDE para declarações e por fim preso a 20 de outubro. Julgado no Tribunal Militar Territorial por «conspiração contra a segurança exterior do Estado, sob a forma de associação ilícita e organização secreta» foi sentenciado (20-12-1960) a 4 anos de prisão e medidas de internamento de 6 meses a 3 anos. Chegou ao Tarrafal a 25-02-1962 e saiu (liberdade condicional e residência fixa em Luanda) a 02-02-1969. Com ajuda de outros presos, estudou e foi fazer exames no Liceu da Praia.
Recordações minhas
Memórias
Autor: José Diogo Ventura
Edição: Kilombelombe, Luanda, 2011
«Luandino Vieira» Nascido em Portugal a 04-05-1935, viveu em Luanda desde a infância, na fronteira entre «o asfalto» e «o musseque», experiência que marcaria profundamente a sua escrita e o seu posicionamento anticolonial. Empregado comercial e escritor, colaborou na «Sociedade Cultural de Angola» (SCA) de que a PIDE prendeu vários dirigentes em 1959. Detido e acusado de «distribuir panfletos», foi depois solto. Em 1961, novamente detido «por actividades contra a segurança do Estado» (ligação ao MPLA), recebeu do Tribunal Militar Territorial (22-07-1963) uma das mais pesadas sentenças para presos políticos não combatentes: 14 anos de prisão e medidas de internamento de 6 meses a 3 anos. Chegou ao Tarrafal a 13-08-1964 e saiu a 15-06-1972, em liberdade condicional com residência fixa «na Metrópole». Reconhecidamente um dos maiores escritores angolanos, no Tarrafal redigiu muitos dos seus livros. Entretanto «Luuanda» (escrito na prisão em Angola) foi premiado pela Sociedade Portuguesa de Escritores (1965) levando ao encerramento forçado desta.
Papéis da Prisão (1962-1971)
Memórias
Autor: José Luandino Vieira
Edição: Caminho, Lisboa, 2015
Nasceu em Santa Catarina, Santiago, Cabo Verde, em 1951. Aderiu ao PAIGC em finais da década de 60. É preso aos 19 anos, acusado de mobilizar participantes no desvio do «Pérola do Oceano»: «Estive na Cadeia Civil da Praia, praticamente seis meses a ser torturado pela PIDE, e como não se conseguiu uma acusação coerente contra mim, mandaram-me para o Tarrafal». «Tivemos dois ou três meses sem sol, só mais tarde começaram a dar-nos meia hora de sol por dia e no fim meia hora de manhã e meia hora à tarde». Entretanto organizaram uma escola: «Quem não sabia ler nem escrever fez a quarta classe, os que tinham a quarta classe fizeram o segundo e os do segundo ano fizeram o quinto». A 1 de Maio de 1974, informados pelo diretor de «uma mudança de governo em Portugal», saíram em liberdade. Fundador e antigo presidente da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria, faleceu a 2 de agosto de 2022.
Testemunho de um combatente
Memórias
Autor: Pedro Martins
Edição: Instituto Camões, Centro Cultural Português, Praia-Mindelo, 1995