Biliosa anúrica
Forma grave do paludismo que provoca insuficiência renal, sendo a prin cipal causa do falecimento de presos no Tarrafal devido às condições in salubres e à ausência de assistência médica e medicamentosa.
Brigada Brava
Criada em 29-05-1939, era um grupo formado por presos políticos com mais responsabilidades ou vítimas de punições arbitrárias, concebido com a finalidade de “regenerar” os inimigos do Estado Novo através da violência física do trabalho forçado. Este era iniciado pouco depois das 6 horas da manhã e terminava às 17 horas, com um pequeno intervalo para almoço, sendo obrigados a usar uma enxada ou uma picareta para escavarem a terra seca cheia de pedras e rochas. Não podiam fumar, só estavam autorizados a beber e urinar uma vez por turno e era frequente caírem no chão ao fim de umas horas, sem força e vítimas das elevadas temperaturas, tendo de ser transportados em braços pelos outros companheiros. Devido à brutalidade de horas de trabalho, ao ritmo infligido e às exigências impostas, com consequências irreversíveis para a saúde daqueles que a integraram, subsistiu somente 45 dias, com apenas dois homens a aguentarem até ao fim. Apesar desta nova tentativa de subjugação dos presos, «nem um só, entre as dezenas de cativos que passaram pela Brigada, rachou!» (Russell 1976, 81).
Carril
Junto ao portão do Campo havia um troço de carril suspenso por arames ferrugentos que servia, através do ritual de pancadas dadas com um varão de ferro pelos guardas de serviço, para marcar as atividades a cumprir pelos presos. O som vibrante de dez pancadas, bem audível como se de um badalo se tratasse, era executado às cinco da manhã, hora do despertar dos degredados, às cinco e meia, hora do café, às seis, para a primeira formatura, às onze, para o almoço, às catorze, para a formatura da tarde, quando se fazia a entrega da correspondência, a leitura das “ordens de serviço”, com os respetivos castigos, o anúncio de regulamentos a aplicar e o regresso ao trabalho, às dezassete e trinta, para o jantar e, às vinte e duas horas, para o recolher obrigatório às suas barracas. As três pancadas, dadas às dez e às dezassete horas, indicavam a cessação do trabalho, den tro e fora do Campo. O “carril” era, ainda, utilizado para reunir os presos a fim de transmitir qualquer informação, fazer a formatura ou anunciar aos doentes a chegada do médico. Os presos tinham de agir de acordo com o código de toques martelados.
Diretores – Colónia Penal de Cabo Verde / Campo de Concentração do Tarrafal (1936-1954)
- Capitão Manuel dos Reis, “O Manuel dos Arames” (1936-1937)
- Capitão José Júlio da Silva (1937-1938)
- Capitão João da Silva, “O Faraó” (1938-1940)
- Capitão José Olegário Antunes, “O Arreda” (1940-1942)
- Capitão Filipe Barros, “O Abóbora” (1942-1944)
- Capitão David Prates da Silva (1945-1954)
Diretores – Campo de Trabalho de Chão Bom / Campo de Concentração do Tarrafal (1961-1974)
- José Pedro Queimado Pinto (1961-1963)
- Hélder Lima dos Santos (1963-1965)
- José da Silva Vigário (1965-1967)
- Eduardo Vieira Fontes (1967-1974) que, segundo Manuel Pedro Pacavira, significou «um reforço da repressão e da tortura física e psicoló gica», colocando «ao seu serviço os métodos mais cruéis, mais bárbaros e subtis do regime»
Fomes de Cabo Verde: 1942
Uma das piores fomes verificadas no Arquipélago de Cabo Verde ocorreu em 1942, provocando a morte de milhares de pessoas. O governo português, apesar de devidamente informado, não revelou empenho em gerir ou fornecer ajuda alimentar e melhorar o acesso à água potável, provocando a morte de milhares de pessoas e grande descontentamento entre os locais, sobretudo junto da comunidade ligada ao comércio. Alguns desses comerciantes seriam internados no Tarrafal com base nas informações do inspetor superior colonial Henrique Galvão e foram, posteriormente, alvo de fixação de residência em outras ilhas.
a morte de milhares de pessoas.
Frigideira
Situada fora do Campo, perto do aquartelamento dos soldados africanos, era uma construção de cimento com forma retangular e uma área reduzida de cerca de seis metros de comprimento por três de largura, exposta ao sol de manhã à noite. Uma parede dividia-a interiormente em duas celas quase quadradas, com portas de ferro, perfuradas em baixo com cinco orifícios onde mal se podia enfiar um dedo. O teto era uma espessa placa de betão, o que transformava a edificação num forno com temperaturas insuportáveis durante o dia e fria e húmida durante a noite, ficando repleta de insetos. Por cima, junto ao teto, havia um postigo gradeado em forma de meia-lua com menos de cinquenta centímetros de largura por uns trinta de altura. Construída como pavilhão disciplinar, tornou-se o principal símbolo do sofrimento e dos castigos aplicados no Tarrafal. Inaugurada em agosto de 1937, chegaram a estar na frigideira, que teria capacidade para dois ou três presos por cela, doze em simultâneo, alimentados, frequentemente, a pão e água, sopa rala ou ração reduzida. A “frigideira” representava «isolamento, fome, asfixia lenta, desidratação, calor sufocante de dia, arrefecimento brusco de noite e, muitas vezes, espancamentos» (Gilberto de Oliveira, p. 135).
Fugas
Registaram-se, entre 1936 e 1954, cinco tentativas de fuga, todas fracassadas: 02--08-1937, 02-08-1938, 28-05-1941, 22-05-1943 e 06-08-1944.
Holandinha
Estrutura de betão que substituiu a “Frigideira” da primeira fase, sendo uma cela mais reduzida, praticamente sem aberturas e dissimulada no interior de uma arrecadação. Com a dimensão de 1,76m x 1,05m x 1,79m, foi assim denominada pelos presos cabo-verdianos por referência à Holanda, país de emigração dos seus naturais.
“Ilha dos pinguins” ou “Aldeia dos pinguins"
Designação dada ao alojamento isolado daqueles deportados republicanos
que não se queriam misturar ou conviver com comunistas e anarcossindicalistas. Tratava-se de uma tenda de lona ou barraca situada, temporariamente, fora dos arames farpados, sendo os seus residentes, “os pinguins”, alvo de desconfiança e de desprezo por parte de outros presos devido à proximidade e colaboração que mantinham com os carcereiros e a direção do Campo, denunciando, não raras vezes, a atuação de muitos outros detidos políticos que, assim, eram castigados.
Médicos
Passaram pelo campo dois médicos: Esmeraldo Pais Prata (1937-1945), “O Tralheira”, tinha por lema «não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbito» e assinou 30 das 32 dos portugueses mortos no Tarrafal; Pedro José Pestana de Ornelas (1945-1954) que, na ausência do Diretor, assumia, oficialmente, as funções deste.
Mitra
Barracão que funcionava como depósito de doentes menos graves, nomeadamente os crónicos, ou convalescentes afetados pelo paludismo, biliosas, febres e outros males. Inaugurado em 1938, imperava a falta de condições higiénicas e médicas, chegando a ter quarenta homens em simultâneo. Integrava o Pavilhão D, o mesmo que acolhia o “Porta-Aviões”.
Organização Comunista Prisional do Tarrafal (OCPT)
Organização prisional com mais membros, muitos deles destacados dirigentes do Partido Comunista. Detinha uma hierarquia própria, procurava controlar e unificar o debate ideológico e teórico partidário, dirigia e orientava o quotidiano dos comunistas deportados, estabelecia as redes internas de solidariedade e de sociabilidade, assumia os contactos clandestinos com o exterior e, por fim, geria os equilíbrios com as outras estruturas de presos e as sucessivas direções do Campo. O seu principal líder, Bento Gonçalves, faleceu no Tarrafal.
Organização Libertária de Presos do Tarrafal (OLPT)
Segunda organização prisional com mais membros, muitos deles importantes ativistas anarcossindicalistas e militantes anarquistas. Procurou preservar a intervenção no Campo tendo por orientação as suas conceções libertárias, as quais regiam as relações com os outros interlocutores. Dois dos principais dirigentes, Arnaldo Simões Januário e Mário dos Santos Castelhano, faleceram no Campo.
Organização dos Comunistas Afastados (OCA)
Devido a divergências políticas, ideológicas e, até, pessoais, houve vários militantes comunistas que se afastaram ou foram expulsos da OCPT, agrupando-se, de forma inorgânica, num grupo que ficaria conhecido pelo “grupo dos comunistas afastados”. Embora visto como elementos “antipartido” pela OCPT, muitos deles continuaram a considerar-se comunistas, preservaram a militância antifascista e oposicionista no Campo e mantiveram contactos com os outros deportados.
Os ferros-velhos
Deportados que não eram politizados, nem integravam nenhuma das organizações criadas por afinidades ideológicas, tendo sido enviados para o Campo devido a terem sido condenados somente por usarem ou possuírem arma proibida, fosse branca ou de fogo. Estes presos acusados de delitos comuns, totalizando mais de duas dezenas, chegaram ao Tarrafal a partir de 1940 e cumpriram poucos anos de degredo.
Paludismo
A doença que mais atingiu o Campo, afetando todos os deportados, devido à sua localização numa zona de pântanos povoados de insetos, às condições climáticas em que, após nove meses de estacão seca, sucediam--se três meses de chuva (agosto, setembro e outubro), propícios à proliferação dos mosquitos, à inexistência de água potável e de mosquiteiros, à falta de cuidados médicos, recusa do acesso a medicamentos e alimentação imprópria. O “período agudo”, correspondendo àqueles três meses, era o mais temido por estar associado a acessos febris com temperaturas elevadas, às biliosas anúricas e a mortes: 12 das 32 de portugueses falecidos no Tarrafal ocorreram nesse trimestre.
Pavilhão C4
Espaço destinado aos presos com a saúde mental muito afetada, tendo recebido o primeiro internamento em janeiro de 1945.
Porta-aviões
Designação dada às instalações onde os carcereiros abrigavam os “rachados”, os que tinham rompido com as orientações dos coletivos prisionais e, na sua maioria, prestavam informações aos guardas e pides do Campo, participando muitas vezes em provocações aos demais presos. Inaugurado em 29-04-1939, estava instalado numa das casernas do Pavilhão D e tinha capacidade para cerca de três dezenas de apolíticos, “renegados”, “amarelos” ou “rachados”. O nome ironizava com o facto de ser um possível passo para a sua liberdade devido às cedências feitas e à renúncia dos seus ideais, recompensada por uma eventual redução da pena, e os seus ocupantes, que gozavam de algumas liberdades, eram, na grande maioria, desprezados pelos restantes detidos. Foi desativado em meados de 1941, na sequência da tentativa de fuga de dois alemães.
Rachados
Epíteto aplicado a todos aqueles que tinham renegado os seus ideais e renunciavam à luta, passando, em muitos casos, a colaborar com os carcereiros e a denunciar os antigos companheiros. Gozavam, por isso, de certos privilégios quanto a alojamento, alimentação, trabalhos a executar e alguma liberdade de movimentos no exterior do campo.